No mundo globalizado da geopolítica, pequenos acontecimentos podem se transformar em grandes problemas em vários continentes.
A revolução e a libertação da Síria já mudaram totalmente a dinâmica política no mundo árabe. Incertezas políticas e brigas entre os vários grupos que, de certa forma, controlam uma fatia do bolo (Síria) vão alimentar o mundo midiático — você vai ver!
É ingênuo imaginar que, com a saída de Assad, “tudo vai se normalizar”. A Rússia controla uma parte da Síria, inclusive com 21 bases militares e 93 postos avançados; o Irã apoia e já gastou bilhões de dólares no regime de Assad; o Hezbollah controla outra parte; as milícias iraquianas, outra; os EUA estão no noroeste do país, com 900 soldados garantindo a exploração petrolífera (e apoiam os rebeldes curdos); finalmente, a Turquia, que, como os EUA, sempre apoiou os rebeldes que lutaram durante anos (13 anos) contra o regime de Bashar al-Assad. Uma verdadeira salada de frutas, difícil de ser adoçada.
Por outro lado, o líder da revolta, Abu Mohammad Al-Jalani, é um extremista vindo da Al-Qaeda, afeito às lutas, às armas e às ações violentas. É conhecido no mundo árabe e no Ocidente por essas “qualidades”. E como jaqueira não dá manga, será muito difícil que ele se torne um moderado e consiga sobreviver nessa salada de frutas, unindo “os contrários” e conciliando interesses conflitantes.
No Brasil, o mundo político ainda está comemorando o ilusório acordo econômico com a União Europeia (UE), sem mergulhar na realidade interna da UE, que explica as motivações por ressuscitar um acordo velho de 20 anos. Perdida nas suas contradições internas, como a falência da estratégia de interdependência para garantir a paz (Rússia e Ucrânia, unidos vendendo gás para a Alemanha e outros países, criaram um comércio fundamental para todos, em diversos níveis), a UE se encontra em uma situação crítica. E, pior, sem liderança.
Com a Síria solta, as diversas tendências do islamismo vão travar uma luta feroz. Até hoje, os países europeus, especialmente a França, não demonstraram capacidade diplomática para construir uma parceria com os islamistas, como os acontecimentos com o aiatolá Ruhollah Khomeini demonstraram. Ele esteve exilado em Neauphle-le-Château, uma cidade na região de Paris, entre outubro de 1978 e janeiro de 1979. Na época, a França pensava que seria fácil manipulá-lo uma vez no poder no Irã. Por outro lado, a Alemanha conseguiu lidar com a imigração turca de forma integrativa.
Aqui reside a chave para a UE: a Turquia
A Turquia terá um papel diplomático fundamental, sendo o único país que dialoga com todos os grupos rebeldes da Síria. O presidente Tayyip Erdogan prepara a Turquia, desde 2014, para ingressar na UE. Com as incessantes negativas da UE, o governo turco, de forma inteligente, colocou seu país como força moderadora do mundo islâmico.
O conflito entre a França e o mundo islâmico impacta negativamente a UE, prejudicando seu funcionamento como ente econômico e político. O espectro de uma nova onda de atentados ocupa o topo das preocupações europeias.
Melhor explicando: a UE depende das ações diplomáticas de um país que rejeita há mais de 10 anos para garantir a paz no seu território e, talvez, começar a construir relações com o mundo islâmico, no caso, a Turquia.
Sem liderança forte e com países com interesses antagonistas, Ursula von der Leyen (presidente da União Europeia, sem poder real) enfrenta uma oportunidade ímpar: reconciliar os europeus para lutar e defender seu território contra o islamismo.
Frente a essa situação, o acordo com o Mercosul perde interesse em ser desenvolvido e implementado, pois é fonte de várias oposições, não só da França.
A comemoração exacerbada dos políticos brasileiros e do próprio governo central em relação ao acordo com a União Europeia, face aos recentes episódios na Síria, pode se transformar em um grande fiasco.
É bom ter cautela e aguardar os acontecimentos.
Manaus, 12 de dezembro de 2024
Professor José Melo
Ex-Governador do Estado do Amazonas