Furacão Milton chega na Flórida e causa mortes e destruição

Com ventos de 193km/h na parede de seu olho — como é chamada a área central —, o furacão Milton chegou à Flórida por volta das 20h30 desta quarta-feira (21h30 em Brasília) como uma tempestade de categoria 3 (na escala Saffir-Simpson, que vai até 5). O fenômeno foi precedido pela passagem de 19 tornados, que destelharam casas. Duas semanas depois da passagem do furacão Helene, que matou 235 pessoas no estado, Milton levou medo, provocou inundações e forçou a fuga de dezenas de milhares de moradores. A emissora de televisão WPTV reportou que “várias pessoas morreram” em um clube espanhol no condado de St. Lucie, depois de o local ser atingido por um tornado. No fim da noite, Milton caiu para categoria 2.

O presidente dos EUA, Joe Biden, advertiu que Milton poderia ser “a pior tempestade em um século”. Ao se aproximar da costa, o fenômeno climático dobrou de tamanho, apesar de ter reduzido a velocidade de deslocamento, caindo de um furacão de categoria 4 para 3. Um drone do Laboratório Meteorológico e Oceanográfico do Atlântico da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA) filmou uma onda de 8m de altura a 74km do olho do furacão.

Às 19h50 (hora de Brasília), um raro alerta de ventos extremos foi emitido para a região de Tampa Bay. A cerca de uma hora do impacto direto de Milton, Sarasota, uma joia do oeste da Flórida, era atingida por ventos de 123km/h. Com 57 mil habitantes, a cidade se debruça sobre uma baía conectada ao Golfo do México. Esperava-se uma elevação de 4,5m na maré. Durante a tarde de terça-feira (8/10), os ventos com força de tempestade tropical se espalhavam a até 168km do olho do furacão. Nesta quarta, eles podiam ser sentidos em até 405km do centro. Uma nova tempestade que se formava no Atlântico, batizada de Nadine, era monitorada pelo Centro Nacional de Furacões (NHC) dos Estados Unidos.

Um estudo publicado nesta quarta-feira comprovou que as chuvas e ventos do Helene foram 10% mais intensos devido às mudanças climáticas. A pesquisa advertiu que furacões destrutivos, como o Helene, que ocorriam a cada 130 anos, agora poderão ser registrados a cada 53 anos, em média. Os cientistas atribuem a modificação de frequência aos combustíveis fósseis, que tornaram a formação de furacões intensos 2,5 vezes mais provável na região sul dos EUA. “Todos os aspectos deste fenômeno foram intensificados pela mudança climática”, explicou Ben Clarke, coautor do estudo e pesquisador do Imperial College London. “Veremos mais do mesmo se o planeta continuar aquecendo.” Clarke e colegas se debruçaram na análise das chuvas, dos ventos e das temperaturas da água do Golfo do México, durante a passagem do Helene.

“Assustador”

Bella Pozo, moradora de Tampa e funcionária de um parque de diversões, ainda tentava superar o trauma da passagem do Helene, enquanto enfrentava a chegada de Milton. “É assustador escutar o barulho das chuvas torrenciais e a ventania assobiando contra minha casa. Vejo árvores caindo”, contou. “Estou em uma sala escura, com duas pequenas janelas”, acrescentou.

Segundo Bella, a família foi atingida em cheio pelo Helene. “Com as enchentes, perdemos tudo. No intervalo de 10 dias entre Helene e Milton, esvaziamos nossa casa e salvamos objetos de valor, como álbuns, documentos e relíquias. Encontramos outra casa para alugar por um ano e, agora, somos atingidos por outro furacão. É devastador o quanto ruim essas tempestades têm se tornado”, desabafou.

Bella tentou se antecipar à nova catástrofe. Estacionou o carro na frente da maior janela da casa, providenciou lanternas e uma churrasqueira a carvão. “Também enchi o tanque do carro e guardei importantes documentos em embalagens plásticas, dentro de uma mochila. Estoquei comida e água em cada garrafa ou recipiente que encontrei”, disse. Ela não descartava passar a noite no banheiro da casa. “O ambiente não tem janelas, para o caso de o telhado ser sugado. Se alguma janela se quebrar, o teto cairá, com a mudança da pressão do ar”, explicou.

Blackout

Horas antes de Milton tocar o solo, Ken Graham — diretor do Serviço Nacional de Meteorologia — admitiu à tevê CNN o perigo das inundações. “Eu estou morrendo de medo do aumento do nível da água. Os valores são absolutamente perigosos e letais”, alertou. Por volta das 18h30 (19h30), mais de 500 mil moradores da Flórida estavam sem energia elétrica. No entanto, a previsão era de que o blecaute atingisse 1 milhão.

Especialista da Corporação Nacional para Pesquisa Atmosférica (em Boulder, Colorado) e professor honorário da Universidade de Auckland, na Nova Zelândia, Kevin Trenberth explicou que Milton se aproximou do continente como um furacão de categoria 4, antes de cair para 3. “Isso faz com que ele produza enchentes na costa e prováveis inundações. O que o torna diferente é que ele estava se caminhando para Tampa Bay e se aproximando de Orlando, mas parece ter tomado uma direção mais ao sul”, afirmou. “Esperamos chuvas de mais de 280mm, acompanhadas de tornados. O perigo está associado a até que ponto as pessoas estão preparadas para abandonarem as cidades. Na Flórida, normalmente, é cada um por si.”

A maranhense Sonia Cima vive há 31 anos na Ilha de Coquina Key, bairro de Saint Petersburg (Flórida), na região de Tampa Bay. A irmã Ana Devine mora em Treasure Island, também em Tampa Bay, inundada após o furacão Helene. “O carro dela teve perda total por causa da água, que tomou conta da garagem. Ana perdeu fotografias e lembranças de família. Quando estávamos tentando nos recuperar, veio o Milton”, comentou. Sonia e Ana foram forçadas a se mudar para outro imóvel, no condado de Pinnelas, também em Saint Petersburg. “Dos 500 mil moradores, entre 85% e 90% saíram da região. O perigo são as inundações.”

Às 19h38 (em Brasília), Sonia recebeu um alerta pelo celular. “Estou apavorada”, admitiu. A mensagem citava “ventos extremos e imediata ameaça à vida”. “Proteja-se agora dentro de uma construção robusta, longe das janelas. Proteja a cabeça dos escombros voando. Não saia na calma do olho do furacão! Os ventos se tornarão rapidamente perigosos!”, afirmava o texto.

“Passei a vida inteira em Tampa. Milton foi a única tempestade da qual tive medo. Não tínhamos um golpe direto em anos desde o furacão Charley, em 2004, mas até isso mudou. Tivemos um encontro próximo com Ian há 2 anos, mas ele se deslocou para Fort Meyers South. Depois de Milton, quero me mudar mais para o interior. As mudanças climáticas e o aquecimento global estão piorando, e os governos não responsabilizam as grandes empresas petrolíferas pela exploração de combustíveis fósseis. Nos dias de verão, o Golfo do México mais se parece com uma jacuzzi de 26 graus Celsius. O aquecimento do mar provoca tempestades mais intensas.”

Bella Pozo, funcionária de um parque de diversões, moradora de Tampa (Flórida).

*Com informações de Correio Brasiliense