Sem condições financeiras de sair do interior, jovem do AM que tirou mil no Enem pederá vaga mesmo se passar no Sisu


Moradora de Itapiranga, Rilary Coutinho já havia sido aprovada em 2022 para engenharia na Universidade do Estado do Amazonas, mas não teve R$ 78 para ir até Manaus fazer a matrícula

Uma estudante do interior do Amazonas conseguiu, sem acesso à internet em casa e sem cursinho pré-vestibular, apenas com livros emprestados pela escola, a nota máxima na redação do Enem 2022. Rilary Manoela Coutinho, de 18 anos, é moradora de Itapiranga, a cerca de 340 quilômetros de Manaus, e sonha em cursar Engenharia Civil. Mas o empenho da jovem não será o suficiente para que ela consiga finalmente ingressar na faculdade. Depois das dificuldades que passou e pedras pelo caminho, a situação financeira da família no momento não permite que ela possa morar longe de casa e se dedicar aos estudos.


Rilary tem expectativa de conseguir um bom resultado no Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Sua pontuação foi boa e ela acredita que possa conseguir uma vaga no curso desejado. Mas a amazonense já sabia, antes do início do processo de seleção, que teria de adiar o início da graduação. O curso que ela deseja só é ofertado na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), a mais de cinco horas de viagem de Itapiranga. Além do tempo que levaria se não mudasse de cidade, o valor das passagens torna as viagens diárias quase impossíveis.

— Antes mesmo de saber as pontuações do Enem, já tinha conversado com a minha família e dito que iria continuar estudando para fazer os vestibulares que são das próprias universidades e tentar ingressar somente em julho. Não consigo agora, no início do ano, por questões logísticas mesmo, como moradia e meio de transporte, iniciar uma faculdade em Manaus — resume Rilary.

A estudante vive um drama que já foi o do irmão mais velho, com quem mora, junto da avó aposentada. Ele foi o primeiro da família a ingressar em uma universidade pública. Mas teve que trancar o curso de Engenharia de Software por não ter mais condições financeiras de continuar durante a pandemia da Covid-19.

Mesmo tendo se empenhado nos estudos, Rilary disse ter ficado surpresa ao saber do desempenho que teve na redação. Ela e os colegas que também fizeram o exame, já haviam chegado à conclusão de que o melhor seria que todos começassem a se preparar para outras provas, não depositando todas as esperanças somente no Enem. Mas a prática levou a estudante a alcançar a tão nota mil na redação, que teve como tema “desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil”.

Livros antigos

— Fiquei muito surpresa quando vi a nota, não me imaginei tirando essa pontuação. Eu olhava o rascunho que estava comigo e achava que não tinha ido tão bem. Estudava com os livros de curso pré-vestibular da escola, e eles eram bem antigos. Em cidades do interior, é difícil chegar material mais atualizado. Mas, quando eu sentia que precisava muito de mais informações sobre um determinado assunto ou disciplina, corria na biblioteca da escola e pegava mais livros — contou.

Rilary já havia sido aprovada no vestibular da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) em 2022, para o curso de Engenharia de Materiais. Mas não conseguiu se deslocar do seu município até o campus e efetivar a matrícula. O preço de R$ 78 pela viagem comprometeria o orçamento familiar.

— Tenho muita determinação e vejo que muitas pessoas do interior também têm. Às vezes, querem cursar até mesmo cursos menos disputados, mas precisam se deslocar até Itacoatiara e Manaus. Muitas coisas impedem a gente de ir para a faculdade. Inclusive questões financeiras. Do que adianta tirar notas altas? Vendo toda essa situação, de se esforçar e mesmo assim não conseguir realizar o sonho de estudar, vai diminuindo muito as nossas expectativas. Me sinto injustiçada — lamenta Rilary.

Com informações: O GLOBO