Hoje a cidade de Manaus recebeu a notícia de que o IBAMA havia lavrado um auto de infração contra um pequeno criador de gado por maus-tratos à capivara Filó, no valor de R$ 17 mil, além de retirar os vídeos das redes sociais e entregá-la ao Centro de Triagem, que em alguns lugares se assemelham a um depósito de animais. Filó é órfã desde tenra idade, uma vez que sua mãe foi caçada e, desde então, quem assumiu sua criação foi Tupinambá. Capivaras são animais gregários e Filó há muito não convive com um bando e, por isso, não aprendeu quais recursos alimentares deve utilizar ou quais são as potenciais ameaças que a cercam. Já o papagaio Taffarel foi apreendido há alguns anos lá no Ceará, em uma residência onde esteve no convívio familiar por mais de 20 anos, sem qualquer registro de maus-tratos. Taffarel e Filó tinham em comum o cuidado de seus protetores. A regra de ouro na proteção da fauna silvestre, bem como de seus ninhos, abrigos e criadouros naturais é o da proteção integral e do bem-estar animal, com a manutenção da liberdade no seu hábitat, protegido de qualquer ação predatória. Na realidade, ao se proteger o animal silvestre da convivência com o homem, a lei está protegendo ambos, garantindo àquele uma vida saudável na convivência com animais da mesma espécie e, ao mesmo tempo, o próprio homem de eventuais zoonoses. Por esse e outros motivos, não se deve estimular o convívio de animais silvestres com o homem por intermédio da divulgação de vídeos. No entanto, a interpretação e aplicação da norma jurídica deve levar em consideração inúmeros fatores e não apenas o seu texto frio, afastado da realidade. Por essa razão, a aplicação da regra de ouro da proteção integral, como todo princípio jurídico, deve ser sopesada com outros previstos de forma implícita ou explícita no ordenamento jurídico. Nesta senda, chamo atenção para a razoabilidade e proporcionalidade que devem nortear a ação do Estado na proteção do interesse animal. Retirar a Filó de um contexto onde se apresenta inteiramente adaptada e impor ao seu protetor uma multa elevada se mostra, de plano, ferir os princípios constitucionais acima citados. Pois bem! Diferentemente do que consta no artigo 1º da Lei 5.197/67, a fauna silvestre não é propriedade do Estado, mas um bem nitidamente difuso, da coletividade, indivisível, aquilo que os Romanos chamavam de “res communis omnius” (coisa comum a todas as pessoas). Com isso, a competência para processar e julgar os crimes contra a fauna (em regra) é da Justiça Estadual e a apropria atuação do IBAMA se dá em caráter supletivo, dentro do federalismo cooperativo. Essa mudança se deu a partir da Constituição Brasileira de 1988, que consagrou a natureza jurídica difusa dos bens ambientais. No caso da Capivara Filó, após analisar horas dos vídeos disponíveis, não foi possível observar qualquer abuso praticado pelo seu Protetor, pois não se enquadram na definição do Conselho Federal de Medicina Veterinária, que, por meio da Resolução nº 1.236, de 26 de outubro de 2018, definiu abuso como “abuso: qualquer ato intencional, comissivo ou omissivo, que implique no uso despropositado, indevido, excessivo, demasiado, incorreto de animais, causando prejuízos de ordem física e/ou psicológica, incluindo os atos caracterizados como abuso sexual”. Assim, trata-se de um caso de guarda doméstica de animal silvestre, que a Lei de Crimes Ambientais tipifica no artigo 29, inciso II, como conduta delituosa e o Decreto nº 6.514/2008, em seu artigo 24, inciso III, como infração administrativa. No entanto, o próprio Decreto citado estabelece que “no caso de guarda doméstica de espécime silvestre não considerada ameaçada de extinção, pode a autoridade competente, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a multa, em analogia ao disposto no § 2o do art. 29 da Lei no 9.605, de 1998. “. A capivara não está na lista das espécies ameaçadas de extinção, mas naquela least concern (menor preocupação). No caso do Taffarel, o Superior Tribunal de Justiça julgou o AgRg no Recurso Especial nº 1.483.969 – CE, sob a Relatoria do Ministro Herman Benjamin, lembrou que a legislação visa à “efetiva proteção dos animais”, que foi observada pelo julgador ordinário ao afirmar que “não se mostra razoável a devolução do papagaio ‘Taffarel’ à fauna silvestre, uma vez que está sob a guarda da autora há pelo menos vinte anos, sendo certa sua adaptação ao convívio com seres humanos, além de não haver qualquer registro ou condição de maus tratos”. Assim, dentro do entendimento consagrado pelo STF, a efetiva proteção da Filó com certeza não se dará com o seu afastamento do espaço de liberdade em que viveu até o presente momento, nem mesmo a sua colocação em um lotado Centro de Triagem de Animais Silvestres, mas sob a proteção e carinho do seu protetor, livre, devidamente regularizado pelo IPAAM com uma autorização de “guarda de animais silvestres” ou regularização do espaço em que vive como “mantenedouro de fauna silvestre” com a ajuda da sociedade civil

Com informações Marcos Santos